Karina Araújo Campos
Belo Horizonte, 04 de janeiro de 2008.
Obs.: MPB: Já nasceu eterna é Menção Honrosa pela Editora Guemanisse, no Prêmio Cantigários, em 2008.
Nos convés dos navios vindos para o Brasil chegava também um batuque negro, característico africano, que ajudava o gingado do navio, a percorrer com balanço o mar. Juntou-se ao fado melancólico, amoroso, saudosista e a outros ritmos de outras tribos e povos que vinham formar o Brasil. Que vinham formar a MPB.
Cantigas populares, num caldeirão fervendo com o toque dos tambores dos negros, gritavam pedindo Chuva numa dança sagrada, ao ensejo de Tupã e Jaci. A natureza chacoalhava com os chocalhos xamãnicos, o céu esbravejava com os pecados dos pecadores do Brasil. Os sons religiosos misturados às cítaras dos anjos tentaram domesticar o zumbir da percussão natural do sangue que aqui habitava e habita.
Não adiantou o ralhar dos trovões. Ela vinha surgindo, e foi crescendo, qual uma menina-moça sensual, maliciosa, gostosa, desnuda, no canto, serena, requebrando as cadeiras, enfeitiçando o sangue, enfeitiçando a carne, morena, beiçuda, de olhos grandes... Sente o som da cuíca, aumenta o som dos tamborins, olha o chocalho, o chorinho brasileiro, minha nossa!
Música Popular Brasileira, Música para Pular no Brasil, Música do Povo no Brasil, Povo de um Brasil Musical, Brasil Musicado e Popular, Brasileiro Popular Musicista.
E abram as alas que ela vai passar! E se abram alas para ela passar... Num tempo em que as mulheres não podiam ter sua autoria publicada, a guerreira fez valer seus direitos, as alas se abriram e ela venceu, ela passou, ela chegou, ganhou a lira e a Rosa de Ouro. Chiquinha Gonzaga, que misturou sua arte com seus amores, fez seu ritmo ser chamego nas Marchinhas para o Povo Brasileiro.
Salve Oxalá, Oxum, Ogum, Iemanjá! Viva a capoeira, o paranauê! Cultura umbanda e candomblé, terreiro dançante! E eis a origem do samba, da festa de negros e mulatos nos morros do Rio de Janeiro, que continua lindo! Que continua sendo o Corcovado, Copacabana, o Arpoador, o Pão de Açúcar, o embalador da MPB. Tem cor, tem beleza, tem gingado, tem morena, tem música, tem cultura, tem visão... Olha a cuíca de novo, povo brasileiro de musicalidade! Deixam suas obras nos pés do samba Mestre Donga e Pixinguinha.
Um ritmo cheio de gingado, romantismo, malandragem: A MPB é nordestina e carioca, mineira e paulista, bahiana, misturada qual café com leite, e pão com doce de leite. A MPB é do Brasil, tem jeitinho, tem azeite, tem dendê, tem coco ralado, paçoquinha, é gostosa de morrer! Decifrável, misturável, cheia de graça, a coisa mais linda, de doce balanço nos ouvidos do mundo. Bossinha nova, nova bossa que Tom, Vinícius, de tantos Morais, na moralidade brasileira popular musical nos deixaram. Sem moralismo: encantadora, cheia de moral no mundo!
Brasil, que o cabelo não nega, é mulato! E o que é que as Bahianas têm? E o que é as Amazonenses têm? E o que é as cariocas têm? Tem bananas, abacaxis, tem melancia, tem maçã, tem mexerica, tem laranja, na cabeça, na cintura, na boca vermelha da bela Carmem Miranda, Musa Popular do Brasil. Tem voz, tem canto, tem molejo, tem asa para voar. Tem o mundo de olho no Brasil, de olho na Carmem, de olho na MPB. O que é que a gente tem?
Tem tudo: falta nada não: tem pra exportar: Ary Barroso, Lamartine Babo, Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa, Mário Reis e Francisco Alves, Luis Gonzaga, o rei do Baião, Jackson do Pandeiro, Dolores Duran, Antônio Maria, Marlene, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Angela Maria e Caubi Peixoto, Elizeth Cardoso, Tom Jobim e João Gilberto, Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Edu Lobo, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Wanderléa, Silvinha Araújo e mais mil e tantos talentos da MPB, música popular brasileira.
É artista do Brasil do Oiapoque ao Xuí, na doce voz açucarada de Gal Costa, na rouquidão enluarada de Maria Bethânia. Quantas vezes naveguei nos oceanos de Djavan, assim que o dia amanheceu e dava para ver o tempo ruir, ruir de artistas nascendo, de artistas crescendo, de gente musicando a população do Brasil. Com mineirice a luminosa Clara Nunes, coberta de diamantes e ouro, brilhando no Brasil. De volta pro aconchego da sonoridade musicada por Elba Ramalho conhecemos um pouco mais o nordeste, um furacão artístico nacional: Opa! Que isso aqui está bom demais e quem está fora quer é entrar, sabia?
E com tudo isso nós temos escolha, temos alternativa, temos sociedade, contidas e vivenciadas na palavra de Raul, predestinado por ele mesmo, na coceira do rock na garganta, com “tia” Rita Lee, que só quer trazer alegria para todos nós. Porque o Brasil não é só bunda não, tem barriguinha, tem umbigo, tem guerreiras e vencedoras e vencedores, na MPB.
E, no entanto, eles são algo assim, únicos, grandes, dentro do cenário musical brasileiro: Tim Maia e Jorge Ben, hoje Jor. Bem melhor! E o Seu Jorge, vai longe, fazendo biquinho com jeito brasileiro, levar esse cenário e encantar o mundo, todo sensual e faceiro!
A MPB nasce todo dia, na temporada das flores, e enche os pulmões de vida, na voz de Leoni, na voz das Abelhas, na voz das ondas, no balanço do mar, no balanço da brisa: ela é Marisa, que “bem que se quis, como todos nós, depois de tudo ainda ser feliz”.
Hoje, envelhecemos na cidade, fazendo parte da geração coca-cola, de um país que precisa de comida, que não pode ser pasto, de um país que precisa de bebida, que tem fome de diversão, de arte, de balé, que se morde de ciúmes do rock nacional, mas que com seu olhar quarenta e três não deixa para ninguém. O Brasil que quer viver a vida como a vida quer. Fazemos parte de um país de Titãs, de necessidade, vontade, desejo... Fazemos parte de um país de Ira, de Engenheiros, e mesmo num ra-ta-ta-ta de batalhas na dita dura das palavras explodiram em pólvora colorida a música, a população, a brasilidade. A liberdade é a ação da arte, a liberdade não tem idade, a MPB já nasceu eterna e terna. A MPB é leoa, é sertaneja, é country. Não tem codinome: é beija-flor. A MPB é pensadora, é criadora, é criativa, é produto, faz produzir, é cultura, é junção de almas, é eclosão cultural, é força, é coragem de fazer, de ser, de mostrar, a MPB é nossa.
Nós somos a MPB: “viver e não te querer é improvável, é impossível, é insuportável, é proibido”. E são inúmeros os artistas que, mesmo não citados aqui, fazem parte dessa produção que é patrimônio do mundo, e todo o mundo tem seu jeito de “Caetanear”. A MPB é raiz no coração de cada brasileiro.
Hoje somos Anas, Marias, Josefinas, Carolinas, Catarinas, Josés, nesta maravilha de cenário, que todos nós, artistas, escolhemos para nossos carnavais, usamos asfalto como passarela e aquarela, pintamos nossa vida, bordamos nossos amores, alegramo-nos, é só começar um batuque.
E mais, eu sou MPB: eu sou Mulher, sou Povo e sou Brasileira.
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sábado, 18 de julho de 2009
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